Releitura ficcional das margens da história: uma análise de Terra caída, de José Potyguara

Abstract

A experiência histórica está presente no processo escritural de grande parte da literatura, do âmbito letrado, de temática amazônica. A fabulação do passado, seja ela um posicionamento crítico ou mesmo uma visão exaltadora das narrativas dominantes, perpassa diferentes concepções poéticas, em distintas épocas, pela necessidade de penetrar questões que ainda afetam o presente dos sujeitos amazônicos. Dessa forma, este estudo tem como corpus de análise o romance Terra caída (2007 [1961]), de José Potyguara, que se situa entre as narrativas chamadas “Ficções do ciclo da borracha”. A pesquisa parte da problemática sobre como se dá a recriação ficcional de aspectos sociais e históricos, particularmente relacionado à representação de personagens que compõem o mundo do seringal, cuja importância foi deixada à margem da historiografia regional, sendo objeto de nossa análise, as figuras do seringueiro e da mulher. Para tanto, as hipóteses lançadas indicam que a narrativa de extração histórica criada por Potyguara permite ver outros matizes das 1) dificuldades enfrentadas pelo seringueiro e sua relação com o seringalista e 2) da presença da mulher no seringal, oferecendo uma visão crítica sobre os eventos históricos evocados. Assim, a tessitura de José Potyguara em Terra Caída mescla o conhecimento do autor sobre dados da historiografia da região e seus construtos ficcionais, além de certa indicação de posicionamento crítico do autor na execução de sua obra. O objetivo neste trabalho é o de mostrar como o fator sócio-histórico torna-se um elemento constitutivo na trajetória das personagens Chico Bento e Rosinha, legítimos representantes de indivíduos marginalizados pela história oficial. Para isso, utilizaremos como recurso metodológico alguns fragmentos do corpus da pesquisa para, com base neles, proceder à crítica sociológica e dialética preconizada por Antônio Cândido (2000), por meio de um paralelo entre o modo de expressão do conhecimento dos fatos históricos que envolvem essas figuras marginais e os fatos ficcionais. Assim, trazemos para este trabalho, alguns estudiosos que embasam nossa pesquisa. É o caso de Lucilene Gomes Lima, com suas Ficções do Ciclo da Borracha: A Selva, Beiradão e O amante das amazonas (2019), Antônio Roberto Esteves, estudioso do Romance Histórico Contemporâneo (1975-2000), bem como Gilmei Francisco Fleck (2017), que classifica o Romance Histórico, delineando o percurso desse gênero. Ana Pizarro (2012), por sua vez, apresenta alguns aspectos da trajetória da exploração da borracha, cujo estudo abrange toda a Amazônia. Consideramos, também, o percurso das narrativas históricas apresentado por Antônio Roberto Esteves (2010) e o olhar que André Trouche lança sobre o gênero romance histórico em publicação do ano 2006. A relação entre literatura e sociedade fundamenta integralmente este estudo, principalmente sob o aspecto do conceito de ser subalterno, apresentado por Gayatri Spivak (2010) e de dominação masculina, via Pierre Bourdieu (1995), para subsídio do último capítulo desta pesquisa, tendo em vista que ali o foco recai principalmente sobre a trajetória de dois personagens específicos.